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Bittersweet: O que fica são as memórias

A história sobre como tudo começou.
Poucas pessoas sabem disso, mas Bittersweet começou como um roteiro que escrevi no início de 2017 como parte de uma coletânea de pequenas histórias/contos que teriam um tema em comum. O título da coletânea era “Bittersweet”. É engraçado pensar que desde aquela época eu tinha uma ideia latente que era de voltar a escrever histórias sobre cotidiano, relações humanas, independente do gênero, mas que tivessem um toque agridoce.
Mas eu estava passando por uma crise. Passei muitos anos produzindo minha primeira HQ, Vidas Imperfeitas, e depois de um hiato de três anos, voltei para produzir Black Silence. Entre um projeto e outro, sempre preciso de um tempo pra processar tudo. Primeiro porque havia passado os últimos anos trabalhando intensamente, e segundo porque produzir quadrinhos é um processo bastante exaustivo e… solitário. É por isso que boa parte daqueles roteiros acabaram de lado por um tempo.
Então um dia, no final de 2017, por alguma razão que desconheço, decidi abrir estes roteiros, e foi quando me dei conta do quanto eu queria contar uma história em particular. O nome do conto se chamava “A rush of blood to the head”. É, eu tenho uma fixação por títulos em inglês, algo a ser estudado, etc (este é o título de uma música do Coldplay, aliás). Eis a descrição da primeira cena deste roteiro:
“Nathan está deitado no chão do quarto envolto pela bagunça, roupas sujas, algumas embalagens, etc.”
Vocês reconhecem esta cena? Fico pensando que durante todo esse tempo, algumas cenas que imaginei ficaram na minha mente até finalmente poder concretizá-las.

O roteiro que virou novel
Aquele roteiro primário tinha muito potencial, mas eu não tinha energia suficiente para executar um novo quadrinho; não naquele momento da minha vida. Então eu tive a ideia de transformar o roteiro numa narração em primeira pessoa, do ponto de vista do protagonista, Nathan. Mostrei as primeiras páginas pra minha amiga Dolphin, que gostava de ler o gênero Yaoi (ou Boys Love) e eu devo dizer que ela foi uma grande incentivadora. Sem esse apoio talvez eu não tivesse tido coragem de publicar o conto no Wattpad pra começo de conversa.

A experiência com o Wattpad foi muito legal como termômetro pois, por se tratar de uma comunidade, os leitores interagem com a obra e podem comentar passagens individuais de cada capítulo. Então eu sabia quando estava acertando, e também no que podia melhorar. Esse feedback foi importantíssimo e com certeza me ajudou a melhorar minha escrita de forma geral. Hoje mesmo releio os primeiros capítulos e fico com vontade de reescrever muitas coisas – e talvez ainda o faça.
Originalmente, a história escrita também seria apenas um conto. Escrevi e finalizei o conto, que foi publicado em quatro capítulos no Wattpad. A questão é que aqueles personagens continuaram crescendo, e a história acabou avançando para além do conto, com capítulos extras narrados pelos outros personagens, e acabou por fim se tornando uma novel. Chamo de “novel” porque segue um formato seriado, como se fosse mesmo uma novela escrita. Até o presente momento, a novel conta com mais de 30 capítulos e ainda está em andamento (ela será finalizada em breve, eu juro).
Descobertas e Sexualidade
Esta história não veio por acaso. Já fazia um bom tempo que eu sentia vontade de escrever um romance LGBT. Até aquele momento, eu achava que não poderia escrever algo que não fosse “da minha vivência”, o que pouco depois se revelou a maior idiotice que minha mente insegura poderia alimentar, principalmente porque aprendi tanto sobre mim mesma nesse processo.
Foi escrevendo sob o ponto de vista do protagonista Nathan (e de outros personagens) que me dei conta de todas as coisas que eu mesma pensava ou sentia. Nada disso foi por acaso, mas foi uma jornada de auto-conhecimento. Muitas dúvidas e questionamentos surgiram até eu chegar na resposta mais evidente… eu era bissexual.
Talvez sempre tivesse sido, mas eis o que aprendi também – não existe um manual pra esse tipo de coisa.
E mesmo se não fosse bi, eu ainda acredito que autores podem – e devem – escrever sobre o que não conhecem, porque afinal, é pra isso que existem fontes e pesquisa – coisas que eu fiz bastante, inclusive, com amigos e pessoas próximas.
Depressão
Mas o mais difícil foi tratar sobre temas como depressão e suicídio de uma forma que não fosse romantizada ou clichê. Eu confesso que revisitei alguns lugares bem escuros do meu passado – da minha própria adolescência – pra escrever sobre o Eric. Também pesquisei muito e conversei com amigos psicólogos para entender melhor a mensagem que eu estava querendo passar.

Honestamente, não acredito em mensagens “otimistas”. Não funciona comigo nem com a maioria das pessoas que conheço. A realidade é brutal, e todos nós temos fantasmas que simplesmente aprendemos a conviver, às vezes das formas mais difíceis. Existe uma linha tênue entre o otimismo e o pessimismo e foi nesse exato lugar que mirei o tempo todo. E todas as mensagens de leitores que recebi, contando como se identificavam com meus personagens apenas me mostrou que talvez… talvez eu estivesse no caminho certo.
Mas estes também são apenas detalhes de como Bittersweet cresceu e se tornou tão relevante não só pra mim – como autora e como pessoa – mas também para os leitores. Eu não fazia ideia do que estava criando e do significado que a história teria pra tanta gente. Talvez eu devesse ter me arriscado antes, mas no fundo eu sei que foi no momento certo, e com a maturidade para entregar aquilo que precisava ser entregue.

A adaptação para quadrinhos
Eu não me lembro de como ou porquê decidi transformar a novel em webcomic. No começo, se me perguntavam se eu faria uma HQ de Bittersweet, eu torcia o nariz e sempre negava. Bom, nunca diga nunca…
Mas algo dentro de mim me dizia que eu precisava voltar aos quadrinhos. Eu já estava escrevendo essa história há mais de um ano, e eu gostava tanto dos personagens… então por que não? A história já estava pronta, então eu só teria que fazer a adaptação.
Adaptar a novel para o formato de quadrinhos não foi assim tão fácil, porém. Nem tudo que funciona num livro funciona na narrativa de HQ, então algumas mudanças tiveram que ser feitas. Além disso, eu queria entregar uma obra que tivesse um toque de originalidade mesmo pros leitores da novel. Então é óbvio que a essência permanece, mas estas são duas obras com vozes distintas.
Só Deus sabe o trabalho que dá pra produzir um quadrinho. Já falei sobre meu processo em um vídeo do meu canal, e sinceramente, só de pensar nisso já fico cansada. Pra ser quadrinista é preciso ter uma alma resiliente e ligeiramente masoquista, especialmente se você trabalha em todas as etapas sozinho.
Mas valeu cada segundo.

A experiência de produzir uma webcomic especialmente para Instagram também foi muito positiva. Até então, eu passava meses, até anos, trabalhando num quadrinho em silêncio e “no escuro” para enfim poder publicar e as pessoas lerem em alguns minutos. Mas os leitores acompanharam cada página postada ao longo de pouco mais de um ano, sempre deixando comentários e reações aos personagens e à trama. Isso com certeza me deu a motivação que eu precisava para continuar produzindo.
Talvez esta seja uma das principais razões do porque Bittersweet se tornou tão especial, porque desde o começo os leitores sempre me acompanharam a cada página, a cada capítulo, absorvendo-as na mesma velocidade em que eu produzia.
Detalhes sórdidos
Não poderia deixar de escrever sobre o conteúdo adulto presente na novel e também em alguns capítulos bônus da webcomic – que não puderam ser postados no Instagram por motivos óbvios (estes capítulos estão disponíveis no Tapas, porém). Para ser perfeitamente honesta, sempre senti que existia um vácuo onde poderia existir conteúdo erótico do jeito que eu gostava de consumir.
Então eu fui lá e fiz eu mesma. Esta parece ser a minha resolução pra tudo, mas até que faz sentido, né? Eu crio, em primeiro lugar, algo que eu mesma gostaria de ler, e com sorte, outras pessoas vão gostar também.

Por um tempo, tive receio de ser julgada por isso, mas ao mesmo tempo queria me manter fiel ao tipo de história que eu queria escrever. Eu já estava falando sobre assuntos que até hoje permanecem como tabus na sociedade conservadora de qualquer forma.
O que vem depois do Felizes Para Sempre?
Então, eu tenho uma coisa com finais. Eles sempre foram meu calcanhar de Aquiles como escritora. Sempre começo meus projetos afobada, querendo colocar aquelas palavras e ideias pra fora num turbilhão, me envolvo demais com a jornada e me pego sofrendo para finalizar minhas histórias. E eu sempre odiei em especial os típicos finais felizes de romances. Sempre me perguntava o que havia depois do “Felizes para Sempre”. Por que uma história tinha que terminar exatamente quando deveria começar?
Esse tipo de coisa sempre me incomodou, por isso eu fujo de finais felizes como o diabo foge da cruz. Mas é claro que isso depende do que você entende como final feliz. Eu como leitora, gosto de terminar histórias com a sensação de que fui recompensada pela leitura, que ela entregou tudo que eu buscava. Mesmo que eu chore ou passe dias em posição fetal pensando nela… o que eu senti, a mensagem e a sensação de completude é mais importante do que um simples final feliz.
Mas eu também não queria que Bittersweet fosse uma tragédia. Produções LGBT tem uma longa lista de tragédias, histórias que acabam com separações, preconceito, doença e morte. Eu queria entregar algo diferente porque, sinceramente, é o que acho que nós merecemos. Todos nós merecemos uma história que nos dê esperança – não uma perfeita e doce ilusão, mas uma ficção plausível… palpável.

Por fim, pensei muito sobre isso, e a verdade é que nunca quis entregar a certeza de que os personagens vivem felizes para sempre. No fundo, não estamos buscando a felicidade em si, pois esta vem em momentos raros, escassos, e duram minutos, às vezes segundos.
Estamos procurando significado.
E Bittersweet é sobre todos os caminhos que percorremos, as pessoas que conhecemos, as memórias que criamos e tudo que aprendemos ao longo da jornada.
Leia a Novel no Wattpad
Leia a Webcomic no Tapas

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